
Quando minhas filhas eram menores e não conseguiam dormir, em vez de contar carneirinhos eu sugeria arrumarmos malas imaginárias para viagens que estavam nos planos. Planejar algo que a gente quer muito distrai dos medos e alimenta uma expectativa que dá alegria.
Fazer uma metáfora entre viagens e a vida não é nada original, sei disso. Mas às vezes não é necessário inventar a roda (olha aí eu caindo no lugar-comum novamente…). A gente tem mania de procurar a novidade o tempo todo e se esquece que olhar para o trivial com um olhar diferente pode ser um exercício interessante. Como aqueles lugares que a gente conhece intimamente e nem dá muita bola, até que precisa apresentá-los a quem nunca esteve lá. É quando reparamos em quanta coisa bonita e singular havia ali, mas não nos dávamos conta, porque julgávamos banal e óbvio.
Depois que o Jaime me convidou para “subir a Serra”, passei dias arrumando minha mala, pensando no que eu tinha de valioso e novo para levar comigo: percorri ideias, palavras, histórias e pessoas que, aos poucos, foram me ajudando a redefinir a trajetória. A proposta veio depois de um confinamento, da busca por continuar no mercado da forma como mais gosto: realizando projetos nos quais eu possa me reconhecer. E confirmei o que já sabia – sou feliz fazendo livros.
Talvez porque a natureza desse trabalho me aproxima do que eu mais aprecio na vida: lidar com pessoas e o fazer coletivo. Um livro carrega em si muitas memórias, desde o trabalho solitário do autor, passando por tantas mãos no processo de ser escolhido e construído, até a sorte de ser descoberto por um leitor que vai julgá-lo, amá-lo ou odiá-lo. Cada trajeto é único. Muitas são as possibilidades, a depender de quem faz as escolhas. E o que muda nos resultados quando a gente decide fazer diferente? Parei pra ponderar quem sou eu depois de tantos anos de estrada. Quantas vezes reconheci privilégios e percebi que ocupava espaços que não foram pensados pra mim? Quem são os que não conseguiram andar comigo por falta de oportunidade?
É difícil saber quando a bagagem está pesada demais. Ser assertiva, levar só o necessário. Encarar o frio na barriga sem querer controlar demais a rota. Só tenho uma convicção: tem que caber as pessoas e as histórias que me trouxeram até aqui, mas precisa sobrar espaço para o que quero acumular a partir de agora. Estou de malas prontas!